Numa tarde de primavera do ano de 19..., que meses a fio vinha mostrando ao nosso continente um semblante tão ameaçador, Gustav Aschenbach, ou von Aschenbach, como passara a chamar-se oficialmente desde seu quinquagésimo aniversário, saíra de sua residência na rua do Príncipe Regente, em Munique, para um longo passeio solitário. Muito agitado por uma manhã de trabalho árduo e arriscado, a exigir justamente agora uma extrema cautela, circunspecção, rigor e força de vontade, o escritor não conseguira, nem mesmo após o almoço, sofrear a vibração do mecanismo criador em seu íntimo — aquele motus animi continuus que, segundo Cícero, constitui a essência da eloquência — e não pudera dispor do cochilo reparador que lhe era tão necessário durante o dia, ante o crescente desgaste de suas forças. Assim, logo depois do chá, ele procurara o céu aberto, na esperança de que um pouco de ar livre e movimento o restabelecessem, propiciando-lhe uma noite proveitosa.